Depois de quase 2 anos vivendo em Vancouver, uma cidade que já era minha conhecida antes deste período de residência, já me considero em condições de escrever minha declaração de amor por ela. Apesar de toda paixão, terei que escrever também sobre aspectos negativos, pois sou um amante realista, que não permite que sentimentos se tornem deslumbramento ou cegueira. Sou adepto da doçura, mas sem romantismo. Ninguém e nada é perfeito e, quando amamos algo (ou alguém) a coisa mais sábia a se fazer é assumir o amor, mas sempre reconhecendo os problemas, as limitações e os defeitos que, mesmo sendo reais, não impedem o amor de existir. Assim sendo, minha declaração de amor é também uma análise racional.
Vancouver é uma cidade que nos seduz de cara, de forma avassaladora, amor à primeira vista. E que vista! Mar e montanha pertinho um do outro. E como são lindas as montanhas, de vegetação densa, que se cobre de branco no inverno. O mar se junta a elas para formar uma moldura inigualável que envolve uma cidade que tem um estilo arquitetônico próprio, onde prédios de aço e vidro lhe conferem uma leveza que flerta incessantemente com a luz e com a paisagem; namoro este que só faz brindar nossos olhos com harmonia e uma beleza inesquecível, da qual sentimos falta onde quer que estejamos, quando fora daqui. Esta comunhão perfeita de uma natureza magnífica e um urbanismo altamente inspirado, arejado e coerente é algo raríssimo de se encontrar. Um paraíso para fotógrafos e admiradores de belas paisagens – aqui quase sobrepostas, se acotovelando, como que competindo pela nossa atenção. Excesso de beleza, se é que isso é possível.
Praias frias e com pouca areia mas ainda assim charmosas, lindos parques muito bem cuidados, avenidas elegantes, bares, restaurante, hotéis e lojas sofisticadas, vizinhanças agradáveis, tudo perto e acessível, parece mais um sonho. Ruas limpas, tranquilas e cheias de diversidade em todos os aspectos: cultural, humano, ideológico, comercial e estilos de vida. Além da diversidade, outros pontos que nos chamam a atenção são a beleza e a qualidade de vida. Com certeza, estes são os três pontos que fazem desta uma cidade única. Temos também vizinhanças decadentes, focos de viciados e cidadãos sem-teto, mas que se tornam muito pequenos frente a tanta beleza, que predomina e se impõe de forma quase absoluta (me desculpem, mas esta palavra – beleza - se torna obrigatoriamente repetitiva em qualquer texto sobre Vancouver; a repetição não é por descuido).
Ainda falando em beleza, impossível não notá-la também no aspecto humano da cidade pois, com tanta diversidade étnica e cultural somada a uma alta qualidade de vida, além de muita preocupação com saúde, aparência e boa forma, só poderíamos ter como resultado muitas pessoas belas transitando por belas vias. Espere encontrar pessoas de todas as partes do mundo, diferentes rostos, línguas, sotaques, estilos, crenças e costumes, o que às vezes é bom e às vezes é ruim. E muita gente saudável e bonita. É verdade que beleza não vem acompanhada de simpatia. Os vancouverites são conhecidos por serem pessoas fechadas, pouco comunicativas, distantes, ariscas, que fogem ao contato humano fora de seu pequeno círculo familiar e de amizades. Nada receptivos, parecem ter pavor de estranhos. Não espere por sorrisos gratuitos, cumprimentos espontâneos, contato e papos casuais com desconhecidos, embora eles possam ocorrer. É dificílimo fazer amizades aqui. Quando alguém se aproxima de forma amigável e sem razão aparente, geralmente se trata de um pedinte. A palavra que melhor descreve o povo aqui é “standoffish”, que podemos traduzir livremente como “metidos”, “fechados”, “nojentinhos” ou mesmo “hostís”. Não são assim por preconceito; o são por falta de talento, interesse e também por receio de fazer contato mesmo. Esta é uma sociedade muito calcada na família, onde o convívio tende a se limitar a pequenos grupos de pessoas bem próximas, que se bastam, como se vivessem num vilarejo. Apesar disso, geralmente são educados e há muito respeito no convívio social; o que é uma boa coisa.
Quanto falamos em estilo de vida, não nos referimos apenas ao aspecto externo – aquele que o dinheiro pode comprar, mas também o interno, psicológico e aqui ele é muito tranquilo. A vida não é caótica, corrida, estressante, apesar de nos considerarmos uma metrópole. As pessoas se sentem muito seguras em todos os aspectos e isso leva a uma calma e serenidade que parece até preguiça e pode ser sentida nas ruas. E as ruas são locais onde há vida, pessoas, músicos, mesinhas de cafés nas calçadas, muito transporte público e pedestres, ao contrário do ocorre na maior parte da América do Norte.
Isso tudo se torna possível devido a outro ponto que que faz desta cidade algo totalmente único no contexto canadense, que é o clima ameno, com uma amplitude térmica muito pequena, que nos proporciona verões secos, muito ensolarados, frescos e agradabilíssimos, e invernos suaves, apesar de bem molhados e quase sem neve. Doces primaveras e outonos deslumbrantes. com cores inacreditáveis completam nosso calendário meteorológico privilegiado – apesar de um certo excesso de chuva (outra palavra muito reincidente em se tratando de Vancouver).
Tanta generosidade não poderia vir desacompanhada de algum tipo de dureza, que aqui se manifesta num aspecto prático e cruel da vida de todos nós: o profissional e financeiro. Esta é a cidade mais cara do Canadá e uma das mais caras do mundo. Imóveis a preços extorsivos, inflacionados e um custo de vida alto no geral se contrapondo de forma impiedosa a salários relativamente baixos. Tanta beleza, qualidade de vida e diversidade, além de um ótimo clima fizeram de Vancouver um mercado de trabalho altamente competitivo, com excesso de profissionais qualificados (e também desqualificados) e fez com que as pessoas se acostumassem a ganhar menos aqui, em troca do privilégio de viver num lugar tão agradável. Tudo isso nos levou a uma cultura profissional um tanto exploratória, abusiva e pouco profissional (relativamente falando, é claro – nada comparado à situação vista países menos favorecidos) que às vezes se mostra desmotivante para muita gente, a ponto de fazê-los desistir do “paraíso”. Aqui é fácil de se ter uma boa vida, mas muito difícil de se “chegar a algum lugar” no contexto financeiro, o que é desesperador para aqueles que são mais práticos e economicamente orientados. E mesmo para quem não se preocupa muito com tais padrões, a vida profissional tende a ser frustrante.
Para aqueles que aqui ficam, mais uma recompensa se dá pelas diferentes formas de diversão que a cidade oferece. Mas esta é uma cidade diurna. Tal fato se dá pela enorme vantagem que a natureza nos oferece, e que deve ser explorada durante o dia. Este é um bom motivo para nossa “diurnidade” mas não é este o único. Temos também motivos não tão bons, dentre eles: o caráter “tímido”, sonolento, acomodado e excessivamente saudável dos locais, o número de pessoas com interesse na vida noturna é relativamente pequeno e há má vontade do poder público, da opinião pública e de políticas municipais e urbanísticas com a vida noturna, que parece ser mal-vista e indesejável, a julgar pela postura da cidade em geral com relação a ela. E tal postura é puritana e até hipócrita, apesar da mentalidade local ser, pelo menos oficialmente falando, liberal. A boa notícia é que, mesmo num ambiente pouco favorável, ainda existe boa diversão noturna, tanto mainstream quanto alternativa, a ser encontrada e apreciada por quem sabe procurar, ainda que tudo acabe às 3 da manhã, sem choro nem vela. Mas, cá para nós, poderia (e deveria) ser melhor e maior.
E Vancouver continua atraindo muita gente. Tanto imigrantes econômicos quanto refugiados de várias naturezas, até alguns rebeldes como eu que só estão aqui pelo prazer de estar aqui e também de viver fora do Brasil, sem nenhuma outra vantagem mais objetiva ou mensurável. E os imigrantes que vem para cá não possuem aquela típica imagem que nos vem à mente quando ouvimos esta palavra – a maioria é gente bem formada, e muitos inclusive são ricos! Mas eu diria que o tipo de gente que mais vem para cá são estudantes internacionais de curta permanência, o que cria uma alta rotatividade de pessoas jovens vindas do mundo todo. Apesar da presença asiática em todos os aspectos locais ser tradicionalmente fortíssima, quando se trata de visitantes, estudantes e mesmo trabalhadores (na verdade sub-empregados mal-pagos) temporários, a presença brasileira vem se tornando também muito grande. Tal fato não me anima, pois não me agrada o universo ideológico e valores distorcidos da pequena burguesia brasileira, que eles trazem consigo, mas é inegável e impossível de ser ignorado. De qualquer forma, brasileiros são cada vez mais parte de uma paisagem mutante. Acredito ser este um efeito da decadência dos EUA como destino padrão dessas pessoas durante e após a era Bush, e também pela enorme exposição (muitas vezes idiota e mentirosa) que Vancouver vem tendo na mídia brasileira, por vários motivos.Enfim, por todos estes pontos positivos e apesar dos negativos, eu amo muito esta cidade, e me sinto muito feliz por estar aqui. Ainda que eu não saiba quanto tempo este casamento vai durar, tudo sempre valeu e sempre valerá a pena, ainda que algum dia aquela velha necessidade de mudança se apresente novamente na minha frente. Como eu disse no começo, esta declaração de amor também é um balanço, uma análise pessoal minha, e talvez até sirva de ajuda àqueles que porventura estejam enamorados deste pedaço de paraíso sem o conhecerem pessoalmente e desejem avaliar melhor se o caso tem futuro. (Set/2010)
3 comentários:
Olá, gostei do seu blog, acho que somos da mesma região do Brasil vale do paraíba. Vou continuar lendo seus relatos...
Olá, gostei do seu blog, acho que somos da mesma região do Brasil vale do paraíba. Vou continuar lendo seus relatos...
Valeu. Espero que goste ainda mais.
Abraço!
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