Precisa-se de heróis

Uma coisa um tanto patética que percebemos na psiquê norte-americana é a enorme e desesperada necessidade que o povo tem de heróis. E a mídia também. Basta assistir aos noticiários para ouvir esta palavra uma ou várias vezes ao dia. E o pior - ela é geralmente abusada. Afinal, o que faz de alguém um "herói"?

Até onde minha limitada cultura me permite entender, heróis são pessoas que praticam atos extremamente corajosos, quase sobre-humanos, altruístas e surpreendentes, visando o bem de terceiros a que eles não têm obrigação de ajudar ou proteger. Por exemplo, um simples passante que enfrenta desarmado uma gangue de bandidos para salvar uma mulher prestes a ser estuprada, ou que entra num prédio em chamas para salvar uma criança, ou que pula numa corredeira gelada para salvar alguém do afogamento. São exemplos clássicos. Outro seria o do soldado que de forma planejada entrega a própria vida em troca do sucesso de uma missão muito importante. Estes seriam heróis na acepção clássica moderna e lógica do termo.

Agora o que se chama de "herói" aqui são pessoas que simplesmente cumpriram seu dever profissional diário. Por exemplo, o piloto que pousou o avião que estava em pane. Oras, como profissional, o que se espera dele? Que se descabele, chore, grite, esperneie, desmaie e deixe o avião cair? Soldados que simplesmente levam tiros em batalha também são heróis - novamente, apenas "ossos do ofício". Assim sendo, eu acho que o padeiro que não deixa o pão queimar deveria ser herói também. Até crianças que chamam a polícia ou mesmo cães que encontram pessoas perdidas no mato são chamados de "heróis". Ou seja, até por acidente ou sem total consciência do ato, vira-se "herói", pois trata-se de artigo em demanda.

Este é um fenômeno muito mais constante nos EUA, é claro -  e lá tem muito a ver com o patriotismo exacerbado e o espírito de iniciativa tão forte neles. Mas também acontece um pouco no Canadá. E eu sempre me pergunto porque essa gente precisa tanto de heróis. Seria para ter inspiração para enfrentar a vida e uma leve (e falsa) sensação de que eles não são tão individualistas, egocêntricos e isolados uns dos outros? Talvez, mas a resposta eu deixo para cada um dos pouquíssimos que percebem e "perdem tempo" analisando tais sutilezas.